segunda-feira, 18 de maio de 2009

(carta quatro; fotosnossasguardadas...)

E depois de quase tanto tempo... ...aquele cara gordinho, de mãos e pés tão iguais aos meus, de barba mal feita pouco grisalha, testa franzida... sentado no puff vermelho segurando nas mãos uma chave de fenda também vermelha. E eu ali, no chão com um cigarro de palha na mão... sem conseguir te olhar nos olhos. Sem-conseguir-te-olhar-nos-olhos pai, você entende isso? Me diz, você entende isso pai? Eu olhava tudo ao redor, todo o meu quarto, tudo o que consegui sem você nem perceber. Olhava meu tênis novo, meu colchão de casal, meus escritos na escrivaninha, minha namorada na sala, minhas tatuagens que você não gosta, a caixa de fotosnossasguardadas, fotosnossasguardadas... Quando você desviava o olhar, naquele jeito tão meu, tão nosso, tão calado - tão desesperadamente calado... eu te olhava, gosto de ver sua barba mal feita (saudade de passar o dedo nela, de dormir passando o dedo nela) me assusto com o grisalho delas, com suas rugas, com seu jeito desengonçado e doído de se distrair com a chave de fenda na mão... assim, sem nenhuma solução, sem nada que me possa conduzir, me guiar...
(e o pior: acho mesmo que talvez eu me case com um cara bem calado, caladamente sedutor, assim como você... menos sofrido talvez...)
E eu que te liguei enquanto olhava na janela do quarto os senhores e senhoras da casa da frente... aquele meu soluço de gente pequena, miúda, perguntando se você podia me visitar, que fosse para arrumar o banheiro...
Você viu pai, 'foi dificil, eu não queria' mas eu cresci! Onde você estava esse tempo todo?! Cresci e me tornei assim, meio boba demais, meio cheia de espinhas no rosto, meio fumante demais, meio sem grana demais, meio puta com o preço do feijão, meio distante demais de mim e daquelas madrugadas nossas assistindo filme e rindo da TV. Acho que faz algum tempo bem grande que não digo que te amo ou algo parecido... E acredite pai, não é por não amar, é pelo amargo dos dias que às vezes me consome, é pela ausência que me assusta, é pelo não-saber das coisas, pela minha pequenez toda... entende? ... E então, sem nenhuma solução mirabolante... você se levanta do puff vermelho, arruma o banheiro e vai embora. "_Bebe uma coca antes pai, sei que gosta..." Esse é o meu cuidar, meu único cuidar de você... oferecer uma coca gelada quando me visita!
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mais um silêncio desses pra você,
thane.
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ps.: mês que vem é nosso aniversário. Sei que não esquece nunca... mas é só pra me lembrar, te lembrar...

Um comentário:

Delirium disse...

Me fez chorar q nem uma criança boba...